Oisín em Tír na n-Og… ou Hy-Brasil?

“Existe um país chamado Tír-na-n-Og, que significa Terra dos Jovens, pois a velhice e a morte não o descobriram,” escreve o poeta irlandês W. B. Yeats (1865-1939) em seu Fairy and folk tales of the Irish peasantry. “Um homem apenas esteve lá e voltou. O bardo Oisín, que cavalgou um corcel branco por sobre as ondas em companhia de sua fada Niamh, lá viveu durante trezentos anos e depois voltou à procura de seus companheiros. No momento em que seus pés tocaram o solo, seus trezentos anos se lhe abateram, ele se encurvou e sua barba arrastou no chão. Antes de morrer, descreveu sua estada na Terra da Juventude a Patrício.”1

Essa é uma versão resumida da viagem de Oisín à Terra da Juventude, composta originalmente pelo igualmente poeta, igualmente irlandês Michael Comyn (Micheál Ó Coimín) por volta de 1750. A balada “Laoi Óisín ar Tír na nÓg” se inscreve na tradição do ossianismo, poesia lírica e narrativa irlandesa – com alguns exemplares encontrados também na Escócia – que se ocupa da lenda e dos feitos de Finn Mac Cumhaill (às vezes Mac Cool) e seus guerreiros, os Fianna Éireann. Ossian (gaélico Oisín), filho de Finn, era o bardo-mor dos Fianna, e embora outros dos chamados poemas ossiânicos tratem de sua vida sobrenaturalmente longa e de seus diálogos – ou disputas – com são Patrício, a balada de Comyn é única em lidar com a viagem ao paraíso terrestre de Tír na nÓg (sim, espere grafias diferentes a depender da fonte) e com sua união com Niamh do Cabelo Dourado.2 Ela serviu também de inspiração para “The Wanderings of Oisín”, do supracitado Yeats, publicado em 1889.

Um relato mais detalhado dos feitos de Oisín na Terra da Juventude, extraído de The High Deeds of Finn and other Bardic Romances of Ancient Ireland e traduzido por mim, pode ser acessado no link.

Agora; Tír na n-Og não é o único paraíso terrestre mencionado nos mitos e lendas da Irlanda. Outros nomes – tais como Tír na mBeó, Terra dos Viventes; Tír na mBan, Terra das Mulheres; Magh Mell, Planície dos Prazeres; Mag Mór, A Grande Planície; Tír Tairngiri, Terra Prometida – são usados com semelhante sentido e, segundo a acadêmica Mireann Ní Bhrolcháin, falecida em 2015, essa variação pode muito bem indicar a “existência” de vários “outros mundos”.3

Não é uma opinião unânime, contudo; a escritora e jornalista Eleanor Hull (1860-1935), por exemplo, escreve sobre a Irlanda pré-cristã:

“Pensavam que alguns mortais favorecidos podiam viajar a uma terra de fadas cheia de palácios e música, de belas mulheres, e depois voltar a este mundo e seguir com sua vida normal. Essa terra era chamada Tír na n-Og ou Terra da Juventude, porque lá ninguém envelhecia; ou, às vezes, Magh Mell, a Planície dos Prazeres, porque muitos eram seus encantos e riquezas. Ficava muito longe, do outro lado do mar ocidental, onde o sol se punha, ou, como às vezes se pensava, nos fundos dos lagos ou na casa do deus do oceano, Manannan mac Lir. Às vezes, chegava-se de barco; noutras, num corcel mágico cujos cascos jamais tocavam a terra.”4

Nessa perspectiva, de um único “outro mundo” que atende por diferentes nomes, Oisín perde a singularidade apontada por Yeats: “Connla do Cabelo Dourado lá esteve,” escreve Hull, “e Teigue, filho de Cian, […] e Cuchulain, para falar com Fand, rainha de Manannan”.

E aqui chegamos a um ponto interessante, citado lá no título deste post: porque Yeats compartilhava da ideia de Hull, de quem foi contemporâneo, quanto à unicidade do éden celta. Mas ele identifica Tír na n-Og com outra terra mítica: Hy-Brasil.

Denominada às vezes “Atlântida irlandesa”, a ilha de Hy-Brasil (ou HyBrazil, Brazil, Insula de Berzil, Ui Breasail) seria “uma massa de terra circular a oeste da Irlanda, no norte do Atlântico, que passa períodos cíclicos de sete anos oculta sob grossa neblina – ao fim dos quais se revela por um único dia aos olhos, mas se mantém inalcançável aos navegantes”.5 A ilha misteriosa aparece mesmo em diversas cartas náuticas dos séculos XIII a XVI, embora sua localização varie bastante: “um mapa da Catalunha de 1325-1330, no mapa de Dulcert de 1339, no mapa dos irmãos Pizagani de 1375-1378, no mapa do cartógrafo veneziano Andrea Bianco de 1436 (onde já se menciona explicitamente o mar dos Sargaços). Esta ilha surge também no mapa atlântico do cartógrafo veneziano Zuane Pizzigano e no mapa anônimo chamado de Weimar, ambos de 1424 […]”.6

Expedições foram organizadas, partindo principalmente da Irlanda e da Inglaterra, na tentativa de localizar a ilha fantasma. E há relatos de pessoas que teriam, realmente, encontrado Hy-Brasil. O mais famoso conta que, em 1674, o capitão John Nisbet e sua tripulação navegavam em meio à neblina a oeste da costa irlandesa. Deram, então, com uma ilha, onde identificaram um castelo, cavalos e rebanhos bovino e ovino. Chamaram no castelo, mas não houve resposta. À noite, foram expulsos da praia, onde haviam acendido uma fogueira, por um “barulho terrível” e retornaram ao navio. No dia seguinte, de volta à praia, encontraram um grupo de homens vestidos em roupas antiquadas e falando “à moda antiga”; afirmaram que eram prisioneiros no castelo e que a fogueira acesa na noite anterior havia “quebrado o feitiço” de seu aprisionamento, fazendo desabar o cárcere. Os libertos também confirmaram que a ilha era, realmente, “O Brazile”. Quando Nisbet chegou a Killybegs com os resgatados, um segundo navio, sob comando de Alexander Johnson, partiu para a ilha misteriosa; ao retornar, confirmou a história do capitão e seus tripulantes.7

Bom, e onde entra Yeats nisso? Bem, ele escreve: “Desde [o retorno de Oisín], muitos a viram em diferentes lugares; alguns nos fundos dos lagos, donde ouviram subir um vago badalar de sinos; outros mais, olhando desde os penhascos ocidentais, a viram ao longe, no horizonte” (grifo meu). Além disso, inclui na seção T’yeer-na-n-Oge (eu disse…) do volume por ele editado o poema “Hy-Brasail – The Isle of the Blest”, do novelista, poeta e dramaturgo Gerald Griffin (1803-1840).8

O interesse de Hy-Brasil para nós, em Pindorama, é óbvio. E há diversas especulações a respeito de uma suposta relação entre seu nome e aquele dado, por fim, à ilha de Vera Cruz.9 Teria Oisín visitado a Terra Brasilis?

Leia a tradução completa da introdução escrita por W. B. Yeats para T’yeer-na-n-Oge, extraída do livro Fairy and folk tales of the Irish peasantry.

Leia Oisín na Terra da Juventude.


1 W. B. Yeats. Fairy and folk tales of the Irish peasantry. Project Gutenberg, 28 out. 2010. [Voltar]

2 Ossianic ballads. Encyclopedia Britannica, 16 ago. 2012; Michael Mac Mahon. Micheál Ó Coimín. Clare’s Gaelic Bardic Tradition, s. d. [Voltar]

3 Citada em Dominique Santos. Uma introdução à escatologia hibérnica: algumas considerações a partir dos textos da tradição hiberno-latina. Revista Brasileira de História das Religiões, ano VIII, nº 24, p. 221-233, jan.-abr. 2016. [Voltar]

4 Eleanor Hull. Pagan Ireland. 2. ed. Dublim: M. H. Gill & Son; Waterford, 1908. (Epochs of Irish History, I.) [Voltar]

5 Bruno Vaiano. Conheça Hy-Brasil – e mais 5 lugares que só existiram em mapas. Superinteressante, 15 ago. 2017. [Voltar

6 Maria Fernanda Garcia. “Hy-Brasil”, a ilha que aparecia nos mapas e sumiu misteriosamente. Observatório do Terceiro Setor, 17 jul. 2020. [Voltar]

7 Sean Lynch. Preliminary Sketches for the Reappearance of HyBrazil. Utopian Studies, v. 21, nº 1, p. 5-15, 2010. [Voltar]

8 W. B. Yeats, 2010, op. cit. [Voltar]

9 Brasil (ilha mítica). Wikipedia, s.d. [Voltar]

Comentários