Kelly Link, The Specialist's Hat

— Quando se está Morto — diz Samantha —, não precisa escovar os dentes.
— Quando se está Morto — diz Claire —, você mora numa caixa e está sempre escuro, mas você nunca sente medo.
Claire e Samantha são gêmeas idênticas. Juntas, têm vinte anos, quatro meses e seis dias. Claire é melhor em estar Morta que Samantha.
Misturando referências góticas e de histórias de fantasmas a uma “divertida sensibilidade pós-moderna”, “The Specialist’s Hat”, da norte-americana Kelly Link, transita sem dificuldade entre o lúdico e o sinistro. O “se recusar a crescer” de Peter Pan ganha cores sombrias na brincadeira das gêmeas.
Às nove e meia, ela tentou colocá-las na cama. Nem Claire nem Samantha queriam ir pra cama, então começaram a jogar o jogo de Morto. O jogo de Morto é uma brincadeira de faz de conta que elas jogam todos os dias há 274 dias, mas nunca na frente do pai ou de outro adulto. Quando estão Mortas, elas podem fazer o que quiserem. […]
O jogo de Morto tem três regras.
Um. Números são significativos. As gêmeas mantêm uma lista de números importantes em um livrinho de endereços verde que pertencia à sua mãe […]: estão escrevendo uma história trágica dos números.
Dois. As gêmeas não jogam o jogo de Morto na frente de adultos. Estiveram avaliando a babá e chegaram à conclusão de que ela não conta. Dizem-lhe as regras.
Três é a melhor e mais importante. Quando se está Morto, não precisa ter medo de nada. Samantha e Claire não têm certeza de quem é o Especialista, mas não têm medo dele.
Em entrevista, Link apontou a origem do conto “na vontade de escrever uma história de fantasma”, o que a fez “consultar um bocado de M. R. James e Lovecraft na biblioteca. Também tinha em mente ‘The Red Lodge’, de H. R. Wakefield.”
— Isso não parece um chapéu — diz Claire. — Não parece coisa nenhuma. […]
— É um chapéu especial — diz a babá. — Não é feito para parecer com nada. Mas pode fazer qualquer som que você imaginar. Meu pai que fez.
— Nosso pai escreve livros — diz Samantha.
— O meu também escrevia. […] Era um mau poeta, e pior em mágica. […]
— O que houve com ele? — pergunta Claire.
— Depois que fez o chapéu, o Especialista veio e o levou embora. Me escondi na chaminé do quarto enquanto ele procurava meu pai e ele não me encontrou.
— Você não teve medo?
[…] — Regra número três — ela diz.
Publicado originalmente em 1998 em Event Horizon, “The Specialist’s Hat” foi posteriormente incluído no primeiro livro da autora, Stranger Things Happen (que pode ser integralmente baixado no link). O conto foi escolhido para diversas coletâneas de “melhores do ano” e ganhou o World Fantasy Award em 1999.
— Quando se está Morto — diz a babá —, tudo é muito mais fácil. Não precisa fazer nada que não se queira. Não precisa ter um nome, não precisa lembrar. Não precisa nem respirar.
Leia o conto completo, em inglês, no site da autora.

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