O quartinho, de Madeline Yale Wynne

— Daria um bom fumoir?

— Seria perfeito! Mas, sabe, Roger, nem pense em fumar dentro de casa. Fico um pouco receosa de que ter um homem por perto, ainda mais um fumante, aborreça tia Hannah. Ela é o epítome da Nova Inglaterra; melhor dizendo, de Vermont, Nova Inglaterra.

— Deixe tia Hannah comigo; saberei ganhar sua simpatia. Vou perguntar sobre o velho capitão e o madras amarelo.

— Madras amarelo, não: chita azul.

— Bem, concha amarela, então.

— Não, não! Não misture as coisas; não há como saber o que o espera e isso é metade da graça.

— Então me diga novamente o que devo ou não esperar; para falar a verdade, não ouvi quase nada do que você disse no outro dia; estava divagando. Alguma coisa estranha que aconteceu quando você era criança, não é?

— Algo que começou muito antes, continuou acontecendo e pode acontecer de novo; mas espero que não.

— O que foi?

— Será que os outros passageiros conseguem nos ouvir?

— Creio que não; não conseguimos ouvi-los… não de modo coerente, pelo menos.

— Bem, mãe nasceu em Vermont, você sabe; filha única de um segundo casamento. Hannah e Maria são, na verdade, minhas meias-tias.

— Espero que tenham ao menos metade de seus encantos.

— Roger, fique quieto; vão acabar nos ouvindo.

— Ora, não quer que saibam que somos casados?

— Sim, mas não recém-casados. Faz toda a diferença.

— Tem medo de que pareçamos felizes demais!

— Não; quero apenas conservar minha felicidade só para mim.

— Bem, o quartinho?

— Elas criaram minha mãe; eram quase vinte anos mais velhas. Poderia dizer que Hiram e as tias criaram mamãe. Veja, Hiram estava com meu avô desde garoto, e, quando vovô morreu, disse que “supunha fazer parte da herança” e permaneceu na fazenda. Era o único refúgio que tinha mamãe do rigor de minhas tias. Elas vivem para o trabalho. Lembram aquela mulher do Maine que queria como epitáfio “Ela trabalhou duro”.

— Já não devem ter muitos dias de trabalho pela frente. Qual a idade delas?

— Setenta, por aí; vão morrer de pé; ou, pelo menos, num sábado à noite, depois de fazer todo o serviço da casa. Eram um tanto severas com mãe e acho que a infância dela foi solitária. A casa é distante quase um quilômetro e meio dos vizinhos, no topo do que chamam de Stony Hill. É um lugar bem deprimente, mesmo no verão.

“Quando mamãe tinha mais ou menos dez anos, mandaram-na viver no Brooklyn com primos que tinham filhos e mais experiência em criá-los. Ficou lá até casar; todo esse tempo, não voltou a Vermont e, obviamente, não viu as irmãs, pois não passavam nem um dia fora de casa. Não conseguiram nem convencê-las a ir ao Brooklyn para o casamento, então mãe e pai foram passar a lua de mel na fazenda.”

— E é por isso que estamos fazendo o mesmo?

— Não, Roger; você não faz ideia de como fala alto.

— Isso só costuma incomodá-la quando vou dizer aquela palavrinha.

— Bem, então não diga, ou diga bem baixinho.

— Continue: o que é que havia de estranho?

— Quando chegaram à casa, a primeira coisa que mãe quis fazer foi levar meu pai ao quartinho; ela o havia descrito para ele, assim como estou fazendo para você, e dizia que, de todos as dependências da casa, era a única de que gostava. Descrevia a mobília, os livros, o papel e tudo o mais, e disse que ficava no lado norte, entre as salas de visita e de estar. Bem, quando foram procurá-lo, não havia quartinho nenhum; apenas um guarda-louça acanhado. Ela perguntou às irmãs quando a casa havia sido alterada e o cubículo transformado em guarda-louça. Ambas disseram que a casa era exatamente a mesma desde a construção; que nunca haviam alterado nada, a não ser para derrubar o velho depósito de madeira e construir um menor.

“Pai e mãe riram um bocado, e sempre que alguém perdia alguma coisa, diziam que estava no quartinho; qualquer afirmação exagerada era classificada de ‘quartinholice’. Quando era criança, eu achava que era uma expressão de uso geral, de tanto que ouvia.

“Bem, eles conversaram a respeito e acabaram concluindo que minha mãe havia sido uma criança muito imaginativa e lido sobre um quartinho como esse em algum livro, ou talvez até sonhado com ele; daí, ‘fez de conta’, como fazem as crianças, até ela mesma acreditar que o quartinho existia de verdade.”

— Ora, claro, é bem possível.

— Sim, mas você ainda não ouviu a parte estranha; espere e veja se encontra uma explicação tão simples para o resto.

“Permaneceram duas semanas na fazenda, depois voltaram a Nova York para morar. Quando eu tinha oito anos, meu pai morreu na guerra e mamãe ficou arrasada. Ela nunca recuperou sua antiga vitalidade e, naquele verão, decidimos passar três meses na fazenda.

“Eu era uma criança agitada e a viagem me pareceu muito longa; finalmente, para passar o tempo, mamãe me contou a história do quartinho, dizendo que era fruto de sua imaginação e que, na verdade, em seu lugar havia um guarda-louça.

“Ela descreveu todos os pormenores; e até para mim, que sabia de antemão que o quartinho não existia, parecia real. Segundo minha mãe, ele ficava no lado norte, entre as salas de visita e de estar; era bem pequeno e, às vezes, o chamavam de passagem. Uma de suas portas, que era pintada de verde, dava para o exterior da casa; era dividida ao meio, como as velhas portas holandesas, de modo que, abrindo-se só a parte de cima, servia de janela. Logo em frente à porta ficava um sofá ou divã; era coberto com chita azul… chita indiana… trazida por um velho lobo-do-mar de Salem como um ‘investimento’. Ele a deu a Hannah quando ela era jovem. Ela passou dois anos em Salem, estudando. Vovô era de lá.”

— Achei que não existisse quartinho nenhum, nem chita.

Aí é que está. Haviam concluído que era tudo imaginação, mas veja quantos detalhes mãe tinha na cabeça. Ela lembrava até de Hiram ter lhe dito que, se quisesse, Hannah poderia ter se casado com o capitão!

“O tecido indiano era a tradicional chita azul com estampa de pavão. A cabeça e o corpo do pássaro estavam perfilados, mas a cauda era vista de frente. Parecia ocupar um lugar especial na imaginação de mamãe, e, enquanto falava, ela o desenhou para mim num pedaço de papel. Não te parece estranho que ela tivesse inventado tudo isso, ou mesmo sonhado?

“Na parede ao lado do divã ficavam algumas prateleiras com livros antigos. Todos os livros eram encadernados em couro, menos um, cuja capa era de um vermelho vivo e que se chamava Álbum das Senhoras. Era grande o contraste com os outros livros mais grossos.

“Na prateleira mais baixa, em um descanso feito de bolinhas de lã avermelhada, ficava uma bela concha cor-de-rosa. Essa concha era muito cobiçada por mãe, que só podia brincar com ela quando se comportava particularmente bem. Hiram ensinou a ela como segurar a concha junto ao ouvido para ouvir o barulho do mar.

“Sei que vai gostar de Hiram, Roger, ele é uma figura e tanto à sua própria maneira.

“Mamãe disse recordar, ou achar que recordava, uma ocasião em que havia ficado doente e passado alguns dias convalescendo no divã; foi aí que ficou tão familiarizada com os objetos no quartinho, e pôde brincar com a concha o tempo todo. Até sua torrada era servida lá, com chá de mentirinha. Era uma das memórias agradáveis que tinha da infância; foi a primeira vez que se sentiu importante para alguém, inclusive para si mesma.

“À cabeceira do divã ficava uma mesinha de luz, como a chamavam, e, sobre ela, um castiçal de latão muito polido e brilhante e uma bandeja de latão, com os apagadores. Isso é só o que lembro da descrição, e que havia um tapete de retalhos trançado no chão e, na parede, um belo papel florido: rosas e ipomeias sobre um fundo azul-claro. O papel era igual ao da sala de visita.”

— E tudo isso só existia na imaginação dela?

— Mãe disse que, quando ela e pai foram à fazenda, não havia nenhum quartinho do tipo em lugar nenhum da casa; havia um guarda-louça onde ela acreditava ficar o quartinho.

— E suas tias disseram que nunca havia existido um quartinho como esse?

— Era o que alegavam.

— Nenhuma chita azul com estampa de pavão?

— Nem um retalho, e tia Hannah afirmava nunca ter havido, que se lembrasse; e Maria apenas fazia eco, como sempre. Veja, tia Hannah é uma mulher da Nova Inglaterra sem tirar nem pôr. Sua aparência é exatamente aquela que se esperaria de sua personagem. Tudo nela é reto, quadrado, preciso. Acho que nunca se recostou em nada na vida, nem sentou numa poltrona confortável. Mas Maria é diferente; mais suave e afável; não tem ideias próprias; nunca teve. Duvido que lhe parecesse correto ou adequado ter uma ideia que diferisse de tia Hannah, então, para quê? Ela é um eco, nada mais.

“Quando mamãe e eu chegamos à fazenda, claro que eu era só entusiasmo para ver o guarda-louça, mas meio que pressentia que, no fim das contas, seria mesmo o quartinho. Então corri na frente e escancarei a porta, gritando: ‘Vamos ver o quartinho’.

“E, Roger”, disse a sra. Grant, pousando a mão na dele, “havia mesmo um quartinho, exatamente como mamãe lembrava. Lá estavam o divã, a chita com pavão, a porta verde, a concha, o papel de rosas e ipomeias, tudo exatamente como ela havia descrito.”

— E o que foi que disseram as irmãs?

— Espere um minuto que eu te conto. Minha mãe ainda estava no vestíbulo falando com tia Hannah. Ela não me ouviu de início, mas corri até lá e a arrastei pela sala de visita, dizendo: “O quartinho está lá; está mesmo, de verdade”.

“Por um instante, pareceu que minha mãe ia desmaiar. Agarrou-se a mim, apavorada. Ainda me lembro de como seus olhos pareciam exaustos e de como estava pálida.

“Chamei tia Hannah e perguntei a ela quando haviam removido o armário e construído o quartinho; porque, em meu entusiasmo, era o que eu pensava ter acontecido.

“‘Aquele quartinho sempre esteve ali’, disse tia Hannah, ‘desde que a casa foi construída’.

“‘Mas mamãe disse que, quando esteve aqui com papai, não havia quartinho nenhum, apenas um guarda-louça’, falei.

“‘Não, nunca houve guarda-louça ali; sempre foi do mesmo jeito que é agora’, disse tia Hannah.

“Nisso, mamãe falou; sua voz soou fraca e distante. Ela disse, devagar e com esforço: ‘Maria, você não lembra de ter me dito que nunca houve um quartinho aqui? E Hannah disse o mesmo, e aí eu disse que devia ter imaginado?’.

“‘Não, não me lembro de nada disso’, disse Maria sem demonstrar a menor emoção. ‘Não me lembro de você dizer nada a respeito de nenhum guarda-louça. A casa nunca foi alterada; você costumava brincar neste quartinho quando era pequena, não está lembrada?’

“‘Eu sei’, disse mamãe naquela voz estranha e arrastada que me assustava. ‘Hannah, você não se lembra de eu encontrar um guarda-louça aqui, com a louça de borda dourada nas prateleiras, e aí você dizer que o guarda-louça sempre esteve aqui?’

“‘Não’, disse Hannah de maneira afável, mas desprovida de emoção. ‘Não, acho que você nunca perguntou sobre nenhum guarda-louça, e não temos, que eu saiba, nenhuma louça com borda dourada.’

“E isso era o mais estranho de tudo. Nunca conseguimos que se lembrassem de ter havido qualquer questionamento a respeito. Seria razoável que recordassem a surpresa de mãe na outra vez, a não ser que ela tivesse imaginado a coisa toda. Ah, era tão bizarro! Eram sempre agradáveis e tudo, mas não demonstravam nenhum interesse ou curiosidade. A resposta era sempre esta: ‘A casa é exatamente a mesma desde que foi construída; não houve mudanças, não até onde sabemos’.

“E minha mãe era um poço de perplexidade. Como me pareciam frios seus olhos! Nada se lia neles. Só parecia esgotar minha mãe, aquela esquisitice. Quantas vezes, naquele verão, eu a vi levantar no meio da noite, pegar uma vela e descer de mansinho as escadas. Dava para ouvir os degraus rangendo com seu peso. Aí ela saía pela porta da frente e ficava encarando a escuridão, interpondo a mão magra entre a vela e os olhos. Parecia pensar que o quartinho ia desaparecer. Depois voltava para a cama e se debatia a noite toda, ou então ficava parada e tremia; costumava me deixar assustada.

“Ela empalideceu, perdeu peso, e tinha aquela tossezinha; depois, não queria mais ficar só. Às vezes, me mandava ao quartinho para pegar alguma coisa: um livro, o leque ou o lenço; mas nunca ficava lá ou me deixava permanecer muito tempo, e, às vezes, passava dias sem me deixar pôr o pé no quartinho. Ah, dava uma pena!”

— Ora, não fale mais nisso, Margaret, se te faz sentir assim — disse o sr. Grant.

— Oh, sim, quero que você saiba de tudo, e não há muito mais; nada mais sobre o quartinho.

“Mãe nunca melhorou, morreu naquele outono. Costumava suspirar e dizer, com um sorrisinho abatido: ‘Uma coisa me deixa feliz, Margaret: seu pai agora sabe tudo sobre o quartinho’. Acho que tinha medo que eu desacreditasse dela. Claro, eu achava, de um jeito infantil, que tinha algo estranho naquilo, mas não ficava cismada. Eu era muito jovem e achava que era parte da doença dela. Mas, sabe, Roger, aquilo me afetou para valer. Quase preferia não ter de voltar lá depois de falar a respeito; quase sinto que pode, sabe, ser de novo um guarda-louça.”

— Que ideia absurda.

— Eu sei; claro que é impossível. Eu vi o quartinho, e não há nenhum guarda-louça na casa, e nenhuma louça com borda dourada, tampouco. — Em seguida, sussurrou: — Mas, Roger, se quiser, você pode segurar minha mão quando formos procurar o quartinho.

— E você não vai ligar para os olhos cinzentos de sua tia Hannah?

— Não vou ligar para nada.

Já estava escurecendo quando sr. e sra. Grant cruzaram o portão sob os dois velhos choupos-de-itália e percorreram o estreito caminho até a porta, onde foram recebidos pelas tias.

Hannah deu na sra. Grant um beijo inafetivo, mas não hostil. Maria, por um momento, pareceu indecisa, no limiar da emoção; porém, depois de olhar para Hannah, saudou a sobrinha da mesma maneira reprimida e impessoal.

O jantar os esperava. Na mesa estava a louça com borda dourada. Sra. Grant não percebeu de imediato, não até ver o marido sorrindo para ela por sobre a xícara; sentiu-se, pois, agitada e não conseguiu comer. Estava nervosa e não parava de questionar o que haveria atrás de si, o quartinho ou um guarda-louça.

Depois do jantar, se ofereceu para ajudar com os pratos, mas, misericórdia!, bem poderia ter se oferecido para girar a roda das estações; Maria e Hannah não aceitavam ajuda.

Foram, então, ela e o marido procurar o quartinho – ou o guarda-louça – ou o que quer que fosse.

Tia Maria os acompanhou, carregando o lampião; em seguida, deixando-os, voltou para a louça.

Margaret olhou para o marido. Ele a beijou, pois ela parecia tensa; em seguida, de mãos dadas, abriram a porta. Que dava para um guarda-louça. Nas prateleiras, caprichosamente forradas com papel escalopado, estava a louça com borda dourada, exceção feita aos pratos que haviam sido usados no jantar e que, naquele momento, eram cuidadosamente higienizados pelas tias.

O marido de Margaret largou sua mão e olhou para ela. Ela tremia um pouco e se voltou para ele em busca de auxílio, de alguma explicação, mas soube imediatamente que algo estava errado. Uma nuvem se interpusera entre eles; ele estava magoado; estava aborrecido.

Depois de uma pausa considerável, disse ele num tom sereno, mas que calou fundo na esposa:

— Fico feliz que esse negócio ridículo tenha terminado; não falemos mais nisso.

— Terminado! — espantou-se ela. — Como terminado? — E, de algum modo, sua voz soou para ela como a de sua mãe ao questionar as irmãs sobre o quartinho. As palavras pareciam exigir esforço para sair. Lentamente, disse: — No que me diz respeito, parece apenas no início. Foi assim com minha mãe quando…

— Por favor, Margaret, deixe disso. Não me agrada que envolva sua mãe nesse negócio. Não — hesitou, pois não era este o dia de seu casamento? — não parece muito correto, muito sensível, sabe, usar o nome dela dessa maneira.

Estava na cara: ele não acreditava nela. Teve a assustadora sensação de murchar sob o olhar do marido.

— Venha — acrescentou ele —, vamos lá para fora, ou para a sala de jantar, algum lugar, qualquer lugar, apenas deixe de lado essa bobagem.

Saiu; não deu a ela a mão dessa vez – estava vexado, perplexo, ferido. Não lhe havia emprestado sua simpatia, sua atenção, sua confiança… sua mão? E ela o fizera de bobo. O que significava aquilo? Ela, tão sincera, tão avessa à morbidez – coisa que ele detestava. Ficou zanzando à sombra dos choupos, tentando espairecer antes de voltar para junto dela na casa.

Margaret o ouviu sair; virou-se, então, e sacudiu as prateleiras; estendeu o braço e tentou empurrar as tábuas no fundo do guarda-louça; saiu correndo e deu a volta até a face norte da casa, tateando, no escuro, em busca de uma porta ou de degraus que conduzissem a uma. Rasgou o vestido na velha roseira, caiu, levantou-se e cambaleou, depois sentou no chão e tentou raciocinar. O que poderia pensar – seria um sonho?

Entrou em casa, foi à cozinha e implorou a tia Maria que lhe contasse sobre o quartinho – o que acontecera a ele, quando haviam colocado o guarda-louça, quando haviam comprado a louça com borda dourada?

Continuaram lavando os pratos e secando-os com sistemática precisão em panos imaculados; e, enquanto trabalhavam, afirmaram nunca ter existido, até onde sabiam, nenhum quartinho; o guarda-louça sempre estivera lá e a louça com borda dourada pertencera à mãe, sempre a tiveram.

— Não, não me lembro de sua mãe perguntar de nenhum quartinho — disse Hannah. — Ela não parecia muito bem naquele verão, mas nunca perguntou sobre nenhuma mudança na casa; nunca fizemos nenhuma mudança.

Lá estava outra vez: nenhum sinal de interesse, curiosidade ou incômodo, nenhuma fagulha de memória.

Foi atrás de Hiram. Estava conversando com o sr. Grant sobre a fazenda. Ela pensara em lhe perguntar a respeito do quartinho; diante do marido, porém, seus lábios se fecharam.

Meses depois, apaziguados seus sentimentos pelo tempo, aprenderam a especular de maneira sensata sobre o fenômeno – o qual sr. Grant aceitou não como zombaria ou motivo de piada, mas como ocorrência de natureza inexplicável à luz de qualquer teoria ordinária.

Margaret apenas, em seu íntimo, sabia que as palavras da mãe tinham um significado mais profundo do que ela sonhara à época. “Uma coisa me deixa feliz, seu pai agora sabe” – e se indagava se o mesmo aconteceria com ela ou Roger algum dia.

Passados cinco anos, estavam a caminho da Europa: malas arrumadas, crianças dormindo, partiriam cedo no dia seguinte.

Roger conseguira um emprego no exterior. Ficariam fora durante um bom tempo. Margaret pensara em se despedir pessoalmente das tias; porém, mãe de três crianças, muito do que planejava fazer acabava não pondo em prática. Uma ideia, contudo, pusera em prática naquele dia mesmo, e, interrompendo brevemente a redação de duas cartas que precisava remeter antes de ir para a cama, disse:

— Roger, lembra de Rita Lash? Bem, ela e prima Nan vão todo ano às Adirondacks. São garotas espertas e confiei a elas uma tarefa que quero muito ver concluída.

— São as pessoas certas, então, com toda a certeza.

— Eu sei, e elas vão conseguir.

— Sim?

— Ora, veja, Roger, aquele quartinho…

— Ah…

— Sim, fui covarde de não ir eu mesma, mas não encontrei tempo porque não tive coragem.

— Ah! Foi isso, não foi?

— Sim, nem mais nem menos. Elas irão e nos escreverão a respeito.

— Quer apostar?

— Não; me basta saber.

Rita Lash e prima Nan planejaram passar em Vermont a caminho das Adirondacks. Descobriram haver um intervalo de três horas entre composições, o que lhes permitiria ir à fazenda Keys e ainda chegar ao acampamento na mesma noite. Porém, no último minuto, Rita teve um contratempo. Nan viajou para se juntar ao grupo nas Adirondacks e prometeu telegrafar quando chegasse ao acampamento. Imagine o sorriso de Rita ao receber a seguinte mensagem: “Cheguei bem; fui à fazenda; é um quartinho”.

Rita achou graça porque nem por um minuto acreditou que Nan tivesse ido à fazenda. Achou que fosse uma brincadeira e decidiu levar adiante a piada: visitaria Stony Hill na semana seguinte, quando planejava seguir para o acampamento.

Dito e feito. Apresentando-se às senhoras, achou-as familiares, descritas que foram por Margaret Grant.

Se não se mostraram exatamente cordiais, ao menos não transpareceram contrariedade com a visita, e, de bom grado, exibiram-lhe a casa. Como não mencionaram nenhum outro hóspede recente, Rita se sentiu confirmada em sua suspeita de que Nan não estivera lá.

Na sala setentrional, viu na parede o papel de rosas e ipomeias e também a porta que se abria para – o quê?

Perguntou se podia abri-la.

— É claro — disse Hannah; e Maria ecoou: — É claro.

Abriu e encontrou o guarda-louça. Sentiu-se, de certo modo, aliviada; ao menos não estava sob nenhum feitiço. Era um guarda-louça quando sra. Grant partiu; continuava um guarda-louça agora. Bom.

Mas tentou induzir as idosas a lembrar que, em diversas ocasiões, certos questionamentos haviam sido feitos quanto ao fato de o guarda-louça ter sido sempre um guarda-louça. Não adiantou; os olhos pétreos das irmãs nada traíam.

Pensou, então, na história do capitão e indagou: — Srta. Keys, em algum momento tiveram um divã forrado com chita indiana, um tecido com estampa de pavão que foi trazido da Índia por um capitão de Salem que o deu de presente à senhora?

— Não que me lembre — respondeu Hannah. E só. Rita achou Maria um pouco ruborizada, mas seus olhos eram uma muralha.

Prosseguiu na mesma noite para as Adirondacks. Quando ficou sozinha com Nan, falou:

— Aliás, Nan, o que foi mesmo que você viu na fazenda? E o que achou de Maria e Hannah?

Sem nem suspeitar que Rita tivesse ido à Vermont, Nan deu a contar, empolgada, os detalhes de sua visita. Rita, não soubesse a verdade, quase poderia ter acreditado. Deixou que falasse por algum tempo, desfrutando de seu entusiasmo e da maneira impressionante como descrevia a abertura da porta e a descoberta do “quartinho”. Nisso, atalhou Rita:

— Olha, Nan, deixa de lorota. Estive na fazenda ontem, no caminho para cá, e não tem quartinho nenhum, nunca teve; é um guarda-louça, exatamente como disse a sra. Grant.

Estava fingindo desfazer a bagagem e, por um momento, não ergueu os olhos; porém, motivada pelo silêncio de Nan, olhou por cima do ombro. A outra estava pálida; se de raiva ou de espanto, impossível dizer, porque havia um pouco de cada em sua expressão. Rita começou a explicar como o telegrama a incitara a visitar por conta própria a fazenda. Não tivera a intenção de excluir Nan. Pensara apenas… Nan a interrompeu:

— Não é isso; não tem como você acreditar que seja isso. Eu fui a Vermont, você não; não pode ter ido, porque é um quartinho.

Ah, que noite aquela! Não pregaram o olho. Conversaram e argumentaram, deixaram quieto por um tempo, depois retomaram a discussão, era tão absurdo. Ambas garantiam ter ido à fazenda, e ambas tinham certeza de que a outra era louca ou disparatadamente obstinada. Estavam arrasadas; era ridículo, duas amigas brigando por algo assim; mas lá estava – “quartinho”, “guarda-louça” – “guarda-louça”, “quartinho”.

Na manhã seguinte, Nan estava pregando tarlatana na janela para impedir a entrada de mosquitos. Rita se ofereceu para ajudar, como fazia há dez anos. O — Não, obrigada — de Nan a magoou.

— Nan — disse ela —, desça agora mesmo dessa escada e arrume sua mochila. A diligência parte em vinte minutos. Podemos pegar o expresso vespertino e ir juntas à fazenda. É isso ou eu vou para casa. Melhor você vir comigo.

Nan não respondeu. Recolheu martelo e tachas e estava pronta para partir quando a diligência passou.

Custou-lhes 48 quilômetros de estrada e seis horas de trem, além de cruzar o lago; mas isso era nada comparado à sombra de desconfiança que pairava entre elas! Nem a Europa, se resolvesse a questão, teria parecido complicado demais.

No pequeno entroncamento em Vermont, encontraram um fazendeiro que transportava sacas de cereal em uma carroça. Perguntaram se ele poderia levá-las até a velha fazenda Keys e trazê-las de volta a tempo de pegar o trem, que passaria dali a duas horas.

Uma vez que planejavam justificar a viagem como excursão paisagística, disseram:

— Estivemos lá antes, somos artistas, e algumas paisagens podem nos interessar. Também queremos fazer uma rápida visita às senhoritas Keys.

— Pretendem pintar a velha casa no quadro?

— É possível — disseram. Queriam vê-la, de todo modo.

— Bem, acho que chegaram tarde. A casa pegou fogo noite passada com tudo o que tinha dentro.


Tradução: Rodrigo R. Carmo

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